Andava dizendo o velho deitado... "Para que poesia se posso enviar um gif?".
E nunca mais se levantou.

Tanto bate

Cada instante batucou
coração anuviado
Serelepe se avistou
feito leve acelerado

Feito tuntum de bater
no ouvido que afundava
De tuntum tinha mais que ver
Passarinho nem se achava

Coração abastecido
Água bate até que fura
Pensamento estarrecido
Pro inferno sem mesura

"Você ama tanta gente"
Lembraria se sorrindo
"Que não ama mais ninguém"
E acabou-se o que era doce.



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Decurso
"Lá mesmo esqueci que o destino sempre me quis "



Melodrama de bolso


Se estivesse comigo neste dia, se tivesse pensado com mais afeiçoamento sobre meus convites e demonstrado pequena inclinação que fosse, não teriam ficado minhas mãos tão aconchegadas no bojo daquele calção verde e desbotado de que tanto gosto. Teria esticado o braço a apontar meninotes da calçada do Tamandaré apostando corridas desajuizadas. Teria gesticulado, sem precisão ou necessidade, sobre as diferenças históricas entre as pontes metálica e dos ingleses. Teria segurado sua mão quando, aventureira, procurasse posicionar os pés na pontinha enferrujada daqueles concretos a procurar por peixes faceiros. Teria contornado sua cintura carinhosa e vagarosamente quando, como imaginava, comentasse sobre os ventos frescos que chegam dos navios ancorados. Teria entrelaçado minhas mãos logo abaixo do joelho direito, a erguê-lo, enquanto sentávamos nas pedras, à sombra dos barrancos de areia, pequenas falésias, silenciados pelas maresias, barulhos das pedras e gritos de alerta de surfistas ousados. Meus dedos passeariam pelos teus cabelos quase imperceptíveis visto que estariam inseguros tanto quanto da primeira vez. Eles tocariam, a dorso modo, na tua face enquanto nos beijávamos porque assim me sentiria mais confortável. Na volta, em direção ao teatro, teria retirado o chapéu inúmeras vezes e coçado a nuca nas perguntas mais delicadas, entregando-me facilmente, como na primeira vez. Já confortavelmente sentados nas poltronas da fila C, teria enxugado as lágrimas antes que as notasse, antes que Teti, de longo vermelho e naturalidade espantosa, terminasse a canção. E nem teria as deixado cair quando o refrão com Rodger ecoasse sorridente, sem querer mudar a sorte, sem temer a morte, falando da vida e bebendo no bar. Mas as mãos permaneceram seguras e aquecidas mesmo depois. Elas não ouviram as poesias rememorando a Massafeira. Não viram pessoas amontoadas na grama a cantar baixinho. Nem puderam segurar o copo gelado de cerveja. Se estivesse comigo neste dia, se tivéssemos pensado...

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Decurso
"E no meio de tudo, num lugar ainda mudo".
"Não venha me encher de mistérios".
Caminhando um pouco mais.
Escrevendo também.

Sua

O quente. E o suor escorrendo pelo mundo. As mãos. E o suor escorrendo pelo mundo. O gozo. E o suor escorrendo pelo mundo. Todo. O quente, as mãos, e o gozo. Pelo mundo, escorrendo. Suando e insultando. E provocando. E indo. Vindo. Pelas mãos. Do gozo. No quente. Nu.



Encontro de Egos. Y sabes bien

Apenas alguns ajustes, detalhes rotineiros. O entendimento, recíproco, devidamente não estabelecido. Mas os pactos silenciosos carecem de certos mimos cujas razões quase sempre me escapam. Não bastasse os conluios, a salsa cubana.

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Decurso
Salsa, saia, corpo, fumo, peito, mão, bunda, cheiro. E só.


Prováveis eus

— Não reconheço.
— Deve ser a imaturidade.
— Não adianta.

— Não reconheço.
— Nem mesmo de chapéu?
— Não adianta.

— Não reconheço.
— E a taquicardia?
— Não adianta.

— Não reconheço.
— Mas é um espelho!
— Por isso mesmo.

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Decurso
Eis que sussurra Jorge Luis Borges: "Todo homem é dois homens, e o mais verdadeiro é sempre o outro".
E se infinita a sensação de que, assim como o homem de furo na mão, observo-me em microscópio, aumentado dezenas de vezes, analisando batimentos e tudo o mais.


Triste fim de um homem feliz ou vice-versa

E viveu. Viveu tanto... Tanto... Que, por puro e vigoroso costume, esqueceu-se dos sonhos.


Sobre certezas e outros pactos silenciosos

Lembra quando bastava sentar nas cadeiras e, no balanço, contar os pontinhos sem medo de verrugas? Quando bastávamos, sem medo dos silêncios? Quando nos questionávamos sobre a existência de grandes amores? Porque, depois de um tempo, deixamos de lembrar.

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Decurso
E as mãos, os cheiros e o sabor da boca pequena.
E as breves certezas proibidas pelas circunstâncias.
E as circunstâncias.
E os pactos.
E os silêncios. Não mais os mesmos.


Maya

Só, mas de todo.

(La maja desnuda, Goya)


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Decurso
E nem tenho asas.
Ainda.
Mas busco.
Asas e solidões.
As doces.



Muitas dúvidas, duas interrogações

Passei e ouvi, num desses telefones de bar de praça:
- Bom dia, viu?
- ...
- Mas tu me perdoa, né?

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Decurso
E hoje, justo hoje, eis que surge João Ubaldo num vagão lotado de metrô, onde pessoas desconhecidas se apertam com cumplicidade. Pareceu-me tranquilo.
E os números ordinários, mas nem tanto, enfileirados em senas, finalmente avançam. Esperemos.