Melodrama de bolso


Se estivesse comigo neste dia, se tivesse pensado com mais afeiçoamento sobre meus convites e demonstrado pequena inclinação que fosse, não teriam ficado minhas mãos tão aconchegadas no bojo daquele calção verde e desbotado de que tanto gosto. Teria esticado o braço a apontar meninotes da calçada do Tamandaré apostando corridas desajuizadas. Teria gesticulado, sem precisão ou necessidade, sobre as diferenças históricas entre as pontes metálica e dos ingleses. Teria segurado sua mão quando, aventureira, procurasse posicionar os pés na pontinha enferrujada daqueles concretos a procurar por peixes faceiros. Teria contornado sua cintura carinhosa e vagarosamente quando, como imaginava, comentasse sobre os ventos frescos que chegam dos navios ancorados. Teria entrelaçado minhas mãos logo abaixo do joelho direito, a erguê-lo, enquanto sentávamos nas pedras, à sombra dos barrancos de areia, pequenas falésias, silenciados pelas maresias, barulhos das pedras e gritos de alerta de surfistas ousados. Meus dedos passeariam pelos teus cabelos quase imperceptíveis visto que estariam inseguros tanto quanto da primeira vez. Eles tocariam, a dorso modo, na tua face enquanto nos beijávamos porque assim me sentiria mais confortável. Na volta, em direção ao teatro, teria retirado o chapéu inúmeras vezes e coçado a nuca nas perguntas mais delicadas, entregando-me facilmente, como na primeira vez. Já confortavelmente sentados nas poltronas da fila C, teria enxugado as lágrimas antes que as notasse, antes que Teti, de longo vermelho e naturalidade espantosa, terminasse a canção. E nem teria as deixado cair quando o refrão com Rodger ecoasse sorridente, sem querer mudar a sorte, sem temer a morte, falando da vida e bebendo no bar. Mas as mãos permaneceram seguras e aquecidas mesmo depois. Elas não ouviram as poesias rememorando a Massafeira. Não viram pessoas amontoadas na grama a cantar baixinho. Nem puderam segurar o copo gelado de cerveja. Se estivesse comigo neste dia, se tivéssemos pensado...

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Decurso
"E no meio de tudo, num lugar ainda mudo".
"Não venha me encher de mistérios".
Caminhando um pouco mais.
Escrevendo também.

2 comentários:

Anônimo disse...

Para você: "É impossível para um homem ser enganado por outra pessoa que não seja ele próprio."

Marcella Facó disse...

Muito bom o texto, Régis. Me fez pensar o quanto às vezes gostaríamos de outros rumos, gostaríamos de acreditar em tantos Se's. Mas eles existem de fato?
Bem, gostei muito.