Pre-provisões de uma quarta qualquer

Preocupações. As rotineiras.
Sonolência.
Vontade de ficar quieto.
Calado.
"Então eu escuto":



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Decurso

25°Cquaquisexsáb
Possibilidade de chuvaPossibilidade de tempestadeEnsolarado na maioriaEnsolarado na maioria
Nublado
Vento: SE a 23 km/h
Umidade: 74%

Embora o céu tenha acordado em tons alaranjados de bonitos e o vento esteja soprando como na infância.
Sono atrasado, mas bem gasto com trabalhos manuais, inquietações e recordações.
Esperando falas.

A propósito

O calor castiga, mas o que, por fim, invade o corpo é a nevasca dos olhares distantes e dos desencontros próximos.

O ar gélido que emana paralisa feitios, cessa batimentos, apequena a alma até que ninguém o veja ou sinta.

E se a vontade é de sair bradando a saída, a pequenez dá apenas um aceno leve de mãos, a torcer para que águas passadas não promovam redemoinhos.

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Decurso
Correndo para casa quando os ares se gelam.
For Emma (Bon Iver)


Corre, Regis. Corre, mancho!

Dormir bem; abrir a janela; encandear-se com a luz; sentir o vento; não pensar em mais nada a não ser calçar a chinela de dedo, colocar a prancha no carro e correr.



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Decurso
E então?


Bênçãos arrancadas

Agarrou o livro e folheou as primeiras páginas. Pensei que pela primeira vez:
- Leu? - perguntei mesmo assim.
- Já li algumas coisinhas. Essas que você deixa soltas sobre a mesa antes de sair.
Nunca imaginei que meu desleixo com os papéis provocasse nela ímpetos positivos.
- Eu gosto do que você escreve - ela disse num tom tímido, emotivo - É coisa triste, mas, do jeito que tá escrito, nem parece.

Instruções para plantar um trevo

Acorde cambaleando, mas desperte a ponto de recobrar os sentidos e as lembranças. Pronto. Já pode abrir o presente. Da caixinha, sai jarro, terra, quatro sementes. O exercício deve ser moroso: para cada item, um pensamento. Pôr a terra, furar a terra, cobrir a semente com a terra. Quatro vezes. Até que fique só os olhinhos a respirar. Água só o suficiente. Lugar fresco e arejado, como todo bom lugar. Fotografar a cada movimento. No futuro, as imagens em sequência passarão como num filme.







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Decurso
Fincando minhas expectativas em jarrinhos miúdos de belos.
Regando sempre que posso.
E esperando. Sempre e paciente.


Por um Triz


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Decurso
"Diz se é perigoso a gente ser feliz"


Nem eu mesmo sei de que

Não carecia dizer coisa alguma
Nem tratados
Definições tampouco

O que somos?
Ora, o que somos!
Que importa?

Se recostas discreta e singelamente
E as mãos se fecham
As minhas com as tuas

Se da minha boca
Tua boca cala
E passeia sobre mim
Sobre cautelosos suspiros

Se dos caminhos que percorres
Teu corpo se refestela
Inda me provocas
Com teimosias e evocações

Quero ser pelos sentidos
Pêlos teus e pêlos meus
Entrelaçados
Emaranhados

Não por bocas alheias
Expectativas alheias
Olhares alheios

Meus anseios
Teus anseios
Nossas esquisitices

Tudo sempre
Nada mais

Croniqueta - Agosto

Não adiantou bandeira nenhuma: agosto passando e eu esperando setembro.

Ensaio da marcha

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Concentra, concentra
Não pode desanimar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Cabeça, cabeça
Não pode detonar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Corre, corre
Não pode ficar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pum

Regresso

Não sei se pelo horário tardio ou pela sedução de terras estrangeiras. Quando o retorno se achega, coisas mudam de figura e lugar.

A faixada já não se azuleja, uma moitinha adorna a calçada, mas sei que é ali. Se entro, o vento já não é mais o mesmo, as correntes tomam rumos inimagináveis, mas sei que é ali. Os móveis já não se dispõem da mesma forma, as fotografias expõem rostos estranhos, os discos tocam canções irreconhecíveis, mas sei que é ali.

Até que o horizonte se faz em mim. Na cama mudada, no travesseiro mudado, no céu mudado, os sonhos nunca mudam. Já não sei mais onde estou. Chego, enfim.

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Decurso
Fujo, mas volto.
Embora o regresso seja por demais estranho.
"Não adianta nem me abandonar porque mistério sempre há de pintar por aí".
"Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais"...


Vinte minutos e acenos

As rodas se jogam contra o chão, o vento contra a tez castigada. O sol indo, o lilás, todo sereno, invadindo o firmamento.
- Tá olhando o quê? - indagaria o menino.
Miudinho que só, chuteira pendurada nas costas. Todo desconfiado. A senhorinha nem precisou apontar. Já viu que eu também apreciava o rastro arco de fumaça de avião rasgando o céu redondo.
- Bonito, né? -  abriu o sorriso.
As pedaladas continuam. Muito verde no caminho, rostos demais por aparecer. Hora de deixar o colégio. Eles brincam uns com os outros, elas lançam olhares e sorrisos. Opa! Alguém acena em forma de buzina. A película não ajuda. Tem de desviar das linhas, os losanguinhos todos afoitos.
- Pode passar, senhora.
Nem precisa dizer obrigado. O sorriso já é o bastante. Até a criaturinha se alonga. Apontar e correr. Não precisa pressa. Pronto. Já dei a volta. A vizinha incansável ainda passa as últimas vassouradas nas calçadas e nos pés do asfalto.
- Tudo bem?

Vasculhando a mochila

lat. anìmus,i (f. masc. de anima) 'princípio espiritual da vida intelectual e moral do homem, vida, alma'

É bom acordar cedo. Ao primeiro toque de trombeta, o dia vai parecer intrometido, mas, com o passar dos minutos e dos pingos gelados, o ânimo, preciso e confortante, vem de regresso e intento. Os músculos vão se manifestando também. Dores, estalos, alívios. Roupa leve. Não esquecer do chapéu e dos bolsos. Os caminhos serão tortuosos, a vista íngreme. Olhar tridimensional. O chão, o céu, a alma. Agora é só caminhar.

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Decurso
Planejando fugas mais ousadas.
Quem sabe me encontram por lá.
Eu mesmo já comecei a busca.




Esquete Cotidiano #nº01 - A difícil, porém encantadora, hermenêutica do silêncio

- Que coisa mais estranha!
- Você acha?

(silêncio)

- Mas eu gosto.
- Que bom.

(riso bobo)

- Que foi?
- Tudo, ora.

(mão pousada delicadamente)



Antes que eu me fuja

Quando me sentires por aí mesmo sem ver, realize-me.
Farei o que for preciso.

Se tiveres a impressão de que chego a qualquer momento, adiante-se.
Corra se for preciso.

Se me faço presente, agarre-me.
Seja precisa.

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Decurso
Receando fugas. Minhas próprias.
Sem saber se é preciso ter medo da criatura ou ansiar pela sua chegada.
Mas feliz. Bem feliz.


Levei alguns demônios para uma caminhada hoje. Acabei deixando-os por lá, os coitados.

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Decurso
Correndo e pedalando com a frequência devida.
As pernas se fortalecem.
O coração nem tanto.
Oh No, de Andrew Bird, parece uma boa trilha tanto para passeios como para esconjuros.


Destinatário ausente

Tentei escrever uma carta sem remetente. Sem data, nome ou saudação. Não consegui. Ela teria, sim, a força de um desejo cadente. Certamente, muito certamente. Não pouparia pieguice alguma. Estariam lá, esparramados, meus deleites e, principalmente, minhas bazófias. Contaria histórias engraçadas, mas não dessas de cair no chão a galhofas. Não, não... Seriam contos de canto de riso. Despertaria à destinatária a lembrança de sorrisos bobos. Ela não lembraria exatamente dos motivos, apenas das sensações, assim como me recordo do seu beijo discreto em meu ombro enquanto andávamos de mãos dadas. Ninguém mais pôde ver. Nem eu mesmo pude. Quando exitei inclinar-me já era tarde demais. Movimentos cautelosos minha destinatária tinha. De certo, não faria nenhum grande elogio. Um obrigado, sim, educada que tenta ser, mas nada que pudesse garantir o convencimento de que tanto sinto esmorecer a cada dia. Ah... Lembraria de tecer comentários sobre minha caligrafia caprichada. Pois sim, escreveria tudo a próprio punho. Deixaria escapar certos vícios caligráficos, é verdade, mas coisa pouca, alguns erres e és reescritos uns sobre os outros, talvez um descuido na margem direita. E esperaria com afinco a resposta. Sim, esperaria o tempo que fosse por qualquer repercussão que fosse. Imaginaria o momento exato da abertura do envelope, do estranhamento causado por tamanha audácia, da leitura passageira e da leitura atenta. Feito isso, simularia diálogos de reencontros, falaria em alta voz nas noites de insônia o quanto estive a esperar e imaginar e sentir taquicardias. Mas não consegui, como já disse. Destinatário ausente. Nova tentativa de entrega. Destinatário ausente.


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Decurso
Esperando chegadas.
E partidas.


O que posso fazer?

Sim, é verdade. Prefiro escrever com tinta e papel: usar as mãos com liberdade cursiva, tocar o papel, cheirá-lo, ter cuidados criteriosos para não borrar ou errar sem que minhoquinhas vermelhas apareçam sob as palavras num passe de mágica.


Mas nem sei o endereço de todos vocês nem gosto muito de xerox. O que posso fazer?

Iremos tentar?

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Decurso
Querendo.
Precisando viajar.
Pegando carona num Land Rover 1951.


Vertiginosamente


Corre e corre
Tempo pouco
Ágil jogo de palavras

Os dedos das mãos
Interligados
Bons estranhamentos

"Eat me"
Está escrito
Cresce e cresce


Poemas esquecidos

Nesses tempos de prosa, ando encontrando alguns defeitos antes difíceis de perceber. É que, por mais que consigamos nos encarar no espelho com a frequência devida, é encarando rostos diferentes que conseguimos nos ver com mais clarividência. A situação é instantânea e espantosa, mas a revelação nos engradece com a mesma força.

E não sei, não há como saber, embora o tento, se a motivação maior de todo esse reflexo se dá pela feliz necessidade de se encontrar no olhar alheio, de se mostrar para esse outro olhar, que é tão singelo quanto misterioso, desconhecido das minhas faculdades ilusoriamente vividas.

Às vezes me vejo, e se trata, certamente, de uma pouco trabalhada imperfeição, como um conhecedor espetacular de si mesmo. Mas o autoconhecimento, ao menos quando tomado pela autoconfiança, pode gerar interpretações também instantâneas e, por isso mesmo, limitadas de um homem que luta a cada minuto com seus reflexos, na busca - vã, e daí? - de condições mais que perfeitas, como um verbo perfeitamente empregado  para a perfeita ocasião.

Sim, já tentei, mais que tentei, recusar tamanhos cálculos, tamanhas avaliações. Não dá para parar. Não quero parar. Ainda fermenta silenciosamente em meu peito a utopia de que tudo isso fará sentido, de que um dia encontrarei alguém que entenderá tudo isso de maneira mais natural que bolha procurando a superfície.

Ilhado

Não sei se é por conta desses últimos dias chuvosos que Fortaleza de sol a pino insiste em desmitificar, mas ando refletindo sobre alguns dias de nuvem negra que me passam. Boa ventura de minha parte é que a escuridão que invade não carrega raios ou trovões, esses também me instigam, dependendo das circunstâncias.

A minha nuvem negra, e empreendo esforços para que seja só minha, é a de Djavan, Gal e Chico. Tem jeito que é boa, mesmo dolorosa. Tem som de madrugada, chão e vinho. Faz precipitar lembranças e projeções amorosas, mais essas que as outras. 

E se não busco os correios ou evito os telefonemas, é porque devo à densa nuvem um mínimo de contemplação. Espanta a dependência, a necessidade de esperar sua passagem com vigor.

Sem quaisquer distrações, de peito farto, debaixo da chuva.

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Decurso
Desistindo de controlar a taquicardia.
Sem querer atravessar os mares. Só por enquanto.
"Tá difícil ser eu"
"Esse amor, que é raro e é preciso pra nos levantar, me derrubou. Não sabe parar de crescer e doer"

Sem motivo aparente

Eis que, não tão de repente, com a lua crescendo e tudo o mais, ela se vai e se transforma numa música boa, dessas que a gente acorda pensando e se depara cantando.

Pequenas Indagações #nº01 - Dissabor

Quantas vezes terei de provar para, enfim, o gosto desfrutar?

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Decurso
Sem saber que gosto tem.
Mas provando.
Sempre.

Brincar de banho

Não dormi. Mas vi a chuva me fazendo de escorregador.


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Decurso
Preferindo o vento na cara.
Por enquanto?
É divertido.

Promessa Sólita

Esperei a chuva me alcançar, mas nenhum benzinho até agora.

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Decurso
Tentando observar os pingos microscopicamente.
Querendo uma casinha no campo, onde estarão os livros e os discos.


Ímpeto, inevitável usurpação

Achei um caderno, desses com pauta, letra caligráfica, por aí, não sei se rejeitado ou perdido. Queria saber se os versos nele contidos ainda fazem sentido para o escritor. Saber se a musa daquelas palavras ainda tem o mesmo sorriso, o mesmo rubor. Saber se os sonhos ainda precedem a ficção e se a paixão ainda os toma com o mesmo ímpeto.

Antes que a vida me impeça de atingir a satisfação de exigência tão pulsional, desisto de todos os intentos. Prefiro me apoderar - e o faço sem remordimentos - das comoções. Todas elas. Tomo tudo num só sopro. E se não sentem mais, eu mesmo tratarei de sentir, com vigor e demasia, linha por linha. As escritas, tomarei como criança se encantando com o primeiro livro lido com gosto. As vazias, passarei por cada uma como um velho afadigado a contar as linhas das gastas grades das janelas. Mas deixarei intactos os rodapés. Sim, os pouparei.


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Decurso
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.
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Inevitáveis sentidos - Poema de 7 sílabas

Cria devaneios tolos
Mas compensa o amor que habita
Mesmo que por um instante

E quando a paz esquecida
Volta em tempo e pensamento
Recompõe-se estonteante

E o prazer de caso e prosa
Repete e vai-se embora
Num eterno esconde-esconde



Luz interior

Depois da comilança
Lábios brilhando

Sorrisos e feixes de luz
Intensos e inesperados

As estrelas cadentes
Todas trituradinhas

Caninos e molares
Desejos, realizados

Pudera
Tantas quedas, tantas luzes


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Decurso
Clareando o estômago.
Com vontade de comer estrelas.
E sentir o gosto delas.



Conto contido #nº04 - Ao cadafalso

Andava triste: sofria, sofria e sofria. Acometido por amor e derivadas aventuras, passou a andar mais: mais, mais e mais. As pernas, nunca as mesmas: nunca mais. Assim, vive feliz: cansado, mas feliz.


A síntese dos anos 10 antes do fim

Tirinha by malvados:






Conto contido #nº03 - Um caso

O círculo se formando feito formigas:
- Olha!
- É pra chamar um médico?
- Não, não. É só um coração saindo pela boca.


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Decurso
A sensação é boa.
Estranha.
Mas boa.



Nunca mais?

Olhou.
O jeito mesmo
De sempre.

Percebeu, enfim,
Embaraço.
Espontâneo.

Mas os risos,
Aqueles
Bobos.

A contemplação
Regalo.
Sempre
Um prazer.

Antes de Partir


Se achegue e pare
Sem respostas
Singela e ternamente

E quando perceberes
Meu semblante, minha confissão,
Escorre pelas mãos



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Decurso
Analisando as partidas, que quase sempre me surpreendem - as pessoas não sabem ir-se embora.
Escutando Damage, bela música de Yo La Tengo, que é quase sempre bom.
Esperando a chuva. Não para trazer o meu benzinho, mas para abrir um vinhozinho.


Tanto tento

Por que tento?
Se meu tento não provoca
Só distrai

Por que acho?
Se me perco em cada vão
Vão andar

Só respiro
Se também encanto
Por que tanto?


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Decurso
Andando e conversando por aí.
Mania de caminhar sem rumo.
Insatisfeito.


Agora sim.

É como nos livros: as crônicas são estimáveis, mas o cotidiano só faz sentido nos romances.


Oi.


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Decurso
Andando e conversando por aí.
Mania de caminhar sem rumo.
Satisfeito.

Uma coisa ou outra que já sabem dele e algo mais


O que podia fazer senão ceder à pieguice e revelar, mesmo na certeza do fracasso, os seus maiores delitos. Contou, enfim, todo nervoso e taquicardíaco, que faz planos espetaculosos nunca executados, que simula diálogos intermináveis nunca sequer balbuciados, que ri no espelho de porta trancada... todas essas tolices. Deu no que deu.

Como perder a hora

-Falei que não.
-É necessário.
-Não.

-Não posso evitar.
-Nada a ver.
-Mas tudo a falar.

-Mas não agora.
-Por que não?
-Você não entenderia.

-Isso é loucura.
-Isso sou eu.
-Perdão.

Conto contido #nº02 - Embolia

Naquela chuva, córregos ruborizados. Em tudo o vento a dor fazia. Corrente. Corrida. Mas sem batimentos perfeitos.


Conto contido #nº01 - En passant

No primeiro dia tentou passar. No segundo dia deixou passar. Um de cada vez... um de cada vez.