Croniqueta - Agosto

Não adiantou bandeira nenhuma: agosto passando e eu esperando setembro.

Ensaio da marcha

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Concentra, concentra
Não pode desanimar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Cabeça, cabeça
Não pode detonar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pá

Corre, corre
Não pode ficar

Tum dum dum, para pá pá pá
Tum dum dum, para pá pá pum

Regresso

Não sei se pelo horário tardio ou pela sedução de terras estrangeiras. Quando o retorno se achega, coisas mudam de figura e lugar.

A faixada já não se azuleja, uma moitinha adorna a calçada, mas sei que é ali. Se entro, o vento já não é mais o mesmo, as correntes tomam rumos inimagináveis, mas sei que é ali. Os móveis já não se dispõem da mesma forma, as fotografias expõem rostos estranhos, os discos tocam canções irreconhecíveis, mas sei que é ali.

Até que o horizonte se faz em mim. Na cama mudada, no travesseiro mudado, no céu mudado, os sonhos nunca mudam. Já não sei mais onde estou. Chego, enfim.

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Decurso
Fujo, mas volto.
Embora o regresso seja por demais estranho.
"Não adianta nem me abandonar porque mistério sempre há de pintar por aí".
"Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais"...


Vinte minutos e acenos

As rodas se jogam contra o chão, o vento contra a tez castigada. O sol indo, o lilás, todo sereno, invadindo o firmamento.
- Tá olhando o quê? - indagaria o menino.
Miudinho que só, chuteira pendurada nas costas. Todo desconfiado. A senhorinha nem precisou apontar. Já viu que eu também apreciava o rastro arco de fumaça de avião rasgando o céu redondo.
- Bonito, né? -  abriu o sorriso.
As pedaladas continuam. Muito verde no caminho, rostos demais por aparecer. Hora de deixar o colégio. Eles brincam uns com os outros, elas lançam olhares e sorrisos. Opa! Alguém acena em forma de buzina. A película não ajuda. Tem de desviar das linhas, os losanguinhos todos afoitos.
- Pode passar, senhora.
Nem precisa dizer obrigado. O sorriso já é o bastante. Até a criaturinha se alonga. Apontar e correr. Não precisa pressa. Pronto. Já dei a volta. A vizinha incansável ainda passa as últimas vassouradas nas calçadas e nos pés do asfalto.
- Tudo bem?

Vasculhando a mochila

lat. anìmus,i (f. masc. de anima) 'princípio espiritual da vida intelectual e moral do homem, vida, alma'

É bom acordar cedo. Ao primeiro toque de trombeta, o dia vai parecer intrometido, mas, com o passar dos minutos e dos pingos gelados, o ânimo, preciso e confortante, vem de regresso e intento. Os músculos vão se manifestando também. Dores, estalos, alívios. Roupa leve. Não esquecer do chapéu e dos bolsos. Os caminhos serão tortuosos, a vista íngreme. Olhar tridimensional. O chão, o céu, a alma. Agora é só caminhar.

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Decurso
Planejando fugas mais ousadas.
Quem sabe me encontram por lá.
Eu mesmo já comecei a busca.




Esquete Cotidiano #nº01 - A difícil, porém encantadora, hermenêutica do silêncio

- Que coisa mais estranha!
- Você acha?

(silêncio)

- Mas eu gosto.
- Que bom.

(riso bobo)

- Que foi?
- Tudo, ora.

(mão pousada delicadamente)



Antes que eu me fuja

Quando me sentires por aí mesmo sem ver, realize-me.
Farei o que for preciso.

Se tiveres a impressão de que chego a qualquer momento, adiante-se.
Corra se for preciso.

Se me faço presente, agarre-me.
Seja precisa.

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Decurso
Receando fugas. Minhas próprias.
Sem saber se é preciso ter medo da criatura ou ansiar pela sua chegada.
Mas feliz. Bem feliz.