Ímpeto, inevitável usurpação

Achei um caderno, desses com pauta, letra caligráfica, por aí, não sei se rejeitado ou perdido. Queria saber se os versos nele contidos ainda fazem sentido para o escritor. Saber se a musa daquelas palavras ainda tem o mesmo sorriso, o mesmo rubor. Saber se os sonhos ainda precedem a ficção e se a paixão ainda os toma com o mesmo ímpeto.

Antes que a vida me impeça de atingir a satisfação de exigência tão pulsional, desisto de todos os intentos. Prefiro me apoderar - e o faço sem remordimentos - das comoções. Todas elas. Tomo tudo num só sopro. E se não sentem mais, eu mesmo tratarei de sentir, com vigor e demasia, linha por linha. As escritas, tomarei como criança se encantando com o primeiro livro lido com gosto. As vazias, passarei por cada uma como um velho afadigado a contar as linhas das gastas grades das janelas. Mas deixarei intactos os rodapés. Sim, os pouparei.


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Decurso
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